Olá! Esta é uma reedição de uma história que o Degraus trouxe em março deste ano. Nos dez anos do ataque às Torres Gêmeas, em NY, em 11 de setembro, eu a trago aqui novamente (enquanto esta blogueira na preguiça não escreve uma história nova...). Coincidência - se esta existe - ou não, hoje, por volta de uma 1 hora da manhã, descobria que o livro que estou lendo no momento - The Post-Birthday World, de Lionel Shriver -, sobre duas possibilidades de existência da personagem a partir de uma escolha específica, chegava até o 11 de setembro de 2001.
Histórias - filmes, livros, músicas, relatos - sobre o 9/11 são muitos. Chegam a nós de diferentes formas e nos tocam também de distintas maneiras. Mas, sobretudo, contam para mim sobre uma realidade que poderia parecer distante, mesmo que absurdamente trágica, se não fossem pelas narrativas que elas nos trazem. As notícias não dão conta do que a ficção, nesse caso, consegue trazer para tão próximo de mim.
Sobre essa proximidade, e a surpresa de encontrá-la ainda, é a história que se segue.
SPOILER ALERT + SPOILER ALERT + SPOILER ALERT + SPOILER ALERT
Recomenda-se a leitura desta história para as pessoas que viram o filme Lembranças, de Allen Couter, 2010. Há referências, aqui, a um dos personagem, assim como sobre o final do filme. Este, ao meu ver, deve ser visto sem nenhuma idéia prévia do que se trata. Por isso todo esse estardalhado do spoiler alert, rs.
Mas essa é apenas uma sugestão, porque a escolha é sempre sua!!!
Daniel, que sempre amara os filmes, ainda tinha a capacidade de se impressionar quando sua vida se parecia com um. Não em enredo, o que era muito difícil numa existência de 21 anos sem muitos acontecimentos drásticos, dramáticos, engraçados. Uma vida, enfim, sem acontecimentos que ele pensava serem dignos de uma narrativa cinematográfica. A semelhança não eram as tramas, mas as imagens.
Este momento mesmo. Ele encontrava-se no sofá, enrolado em si mesmo, no que seria outra tarde preguiçosa de domingo. Largou o livro que lia sobre o colo, esticou as pernas, que estavam cruzadas numa posição que sempre considerara meio desajeitada ao olhar do outro, mas que se adaptava perfeitamente ao conforto de que necessitava seriamente ao ler. Olhou para o lado em direção à luz que entrava pela janela.
Lá estava Caroline. A luz do final da tarde a envolvia para, então, cruzar a sala do apartamento. Ele sabia que se a chamasse agora, ela não ouviria. Às vezes, como neste momento, ela se perdia, no nada. Para estar ao seu lado, era preciso entender. E Daniel o fazia sem esforço e sem necessidade de explicação. Não era racional, ele não sabia por que compreendia. Mesmo assim, sabia que essa ausência era parte dela, um todo que ele amava também sem necessidade de elaboração.
Mas a explicação de certa forma viera, um ano atrás. Ele acordara sozinho na cama, no apartamento de Caroline. Sonolento, notara a sua ausência e voltara a dormir. Havia acordado novamente mais tarde, andado meio perdido pelo apartamento. Tomou banho, arrumou a cama e se recostou nos travesseiros para esperá-la. Lendo. Ele lembrava que não havia ficado ansioso, nervoso ou preocupado. Difícil ter qualquer um desses sentimentos na casa de Caroline ou em sua presença. Ambos eram claros, belos, serenos e intensos. Ali ele ficou. Leu, dormiu mais e acordou com ela sentada ao seu lado.
Pernas cruzadas, vestido preto, cabelo solto, sua figura era serena. Ela estava de luto, mas Daniel não fez a associação de imediato. Com tranqüilidade, a mão nos cabelos de Daniel, ela contou a história das manhãs de 11 de setembro, vividas em homenagem ao irmão desde o primeiro “aniversário” do atentado.
Daniel ouviu a história, e outras imagens vieram pela narrativa de Caroline. Reconhecimentos que encontrou no cinema. Em 2001, com 12 anos, as imagens do atentado às Torres em Nova York e a reação das pessoas se misturavam em sua imaginação. Ao ver os aviões se chocando com as torres na televisão, tudo lhe pareceu estranho, alienígena, distante. Ele estava ali, e todo o alvoroço lhe pareceu desproporcional.
A proporção da tragédia, para ele, chegou pelas histórias no cinema. Narrativas ficcionais ou baseadas nos contos de sobreviventes e familiares, elas eram igualmente ficção para ele. Histórias contadas por diferentes narradores, diferentes imagens, elas não eram mais palpáveis para ele se contadas por uma pessoa. Elas o conseguiam atingir muito profundamente quando em uma música, um livro ou imagens do cinema. Bom, de qualquer maneira, todas elas traziam para ele uma parte do lugar que era, agora, não mais um país estrangeiro, mas a sua casa. A cidade da qual fazia parte. Na qual andava, estudava, vivia. Na cidade onde se apaixonara.
A história de Caroline não era muito diferente das que ouvira antes. Nela ele ouviu a perda, a tragédia, o inesperado, o luto, o entendimento, a superação, a saudade, a homenagem, o amor. A forma como Caroline a contou, no entanto, mudou tudo. Quando achou que nada mais lhe surpreenderia sobre o já tão desgastado atentado às torres gêmeas, Caroline e os outros personagens da sua história o comoveram de uma forma surpreendente e triste. Assim foi não pela proximidade de Caroline com o que ocorreu, mas pela sua forma de contar a história. Nela, as relações mais profundas e as mais banais fizeram parte da tecida delicadeza com que contou sua história. E a ela conferiram uma intensidade que escapava ao sensacionalismo, ao oportunismo político e à exploração da dor que ele presenciara até então.
Na história de Caroline, todos os personagens a compunham de forma delicada, intensa, importante. O fim, o atentado em 11 de setembro, conferia ao conto a finalização, dava seu impacto. Mas não reduzia o que acontecera antes, ou que estava para chegar. As relações entre os personagens da sua história, permeadas por tragédias menores e a maior delas, não se reduziam, no entanto, à perda.
Tudo isso Daniel pode entender neste domingo, quando acompanhou Caroline, sua mãe e padrasto, seu pai, Ally e Aidan, na visita ao túmulo de Tyler, irmão de Caroline, morto no ataque às torres gêmeas. Mais um 11 de setembro, dez anos depois do primeiro. Uma data que tomou outros significados, não só pelos eventos que a marcaram nos Estados Unidos em 2001. Mas também por todas as historias que transformaram o fato e as pessoas que dele participaram em personagens de uma grande narrativa. Narrativa da qual, nessa tarde de domingo, ele era personagem também.
Oi.
ResponderExcluirDa uma olhada la no ArteAmiga e voce vai ver que voltei de NY h 2 dias, portanto estava la no 11 de setembro. Um ambiente de cuidados, tristeza e respeito por todo lado. Optei em ficar meio quieta em casa e vimos as homenagens na TV. Impressionante.
*Onde foram parar os acentos do meu texto?
Boa semana,
Jo