terça-feira, 21 de junho de 2011

A not so funny Valentine






Gosto de caminhar pela vizinhança onde moro. São diferentes casas, diferentes pessoas, diferentes paisagens. Num mesmo lugar, muitas histórias. Num mesmo dia, tempos diferentes.


Por ali caminho pelo menos três vezes por semana, pelo menos. Pode ser mais, pode ser menos. Desde os onze anos, essa jornada é sagrada para mim. Eu a faço às vezes à tarde, à noite, na hora do almoço. Ou na madrugada mesmo. A hora, e o itinerário, eu escolho ao passar pela porta da minha casa e atravessar outra entrada, dessa vez para a vida ao meu redor. Um verdadeiro portal, essa passagem.


Conheci várias pessoas nessas andanças. Gente de todas as idades, nacionalidades, profissões... Casadas, solteiras, com filhos, sem filhos. Pessoas que perderam os que amavam. Outras que passaram por tragédias incrivelmente doloridas de se presenciar. Pessoas de lugares distantes, tempos distintos, que poderiam parecer diferentes e estranhas, mas que, na sua forma delicada e poética de se colocarem, se aproximaram muito de mim. 


Viajantes, assassinos, amantes. Famílias, indivíduos, seres sobrenaturais. Bêbados, perdidos, bandidos. Poetas e pessoas grosseiras. Todos cruzaram o meu caminho, e deles tento me aproximar de forma tranquila e sem preconceitos. Às vezes, porém, não dá, e eu saio correndo, sem nem olhar para trás - isso agora, porque antes ficava com muito remorso de me ausentar.




Os apaixonados eu adoro. Pessoas que não se conhecem, mas que nasceram uma para a outra, se encontram e superam todas as suas dificuldades... Ok, irreal, eu sei, mas já vi acontecer. Mais de uma vez. Algumas vezes essas pessoas me emocionam fortemente, outras passam, me cumprimentam, e goodbye, para nunca mais. 


Com algumas delas, faço questão de ficar muito tempo, até que possa me afastar, feliz. De outras, quero distância. E outras, ainda, partem o meu coração em mil pedaços e ficam comigo por muito tempo.


Assim aconteceu com os Pereira, Dean e Cindy. Eles moravam numa casa mais afastada da rua, com sua filha Frankie. Eu já havia visto os dois separadamente antes, havia cruzado com eles em minhas andanças antes mesmo de se encontrarem. Gostava dos dois separados, e já os encontrara muitas vezes, todas  marcantes. Juntos, de início, eles estavam bem. Meio maluquinhos, mas muito, muito queridos. Duas pessoas inadequadas no mundo que encontraram um no outro uma forma de reconhecimento.


Mas o mundo está diferente, mesmo que essa frase tenha se tornado um clichê. Os caminhos andam meio atrapalhados, às vezes não consigo saber bem onde estou. Ok, novamente, sem problemas. Faz parte. Mas o que tenho sentido é que algumas coisas são para ficarem sem explicação, e eu nem sempre me conformo com isso.



Por isso tive de tentar compreender como Dean e Cindy, depois de um encontro doce, acabaram se odiando e agredindo da forma como o fizeram. Nada esconderam de ninguém, e assim o mundo pode ver como passaram de um casal querido e cheio de expectativas para duas pessoas que se agrediam continuamente, morando na mesma casa e criando sua filha.


Minha teoria é esta: Dean gostava mais de Cindy do que o contrário. Para ela, o casamento fora uma conveniência, e acho muito complicado construir um relacionamento baseado na mais valia. Mas nem sempre percebemos isso. Já vi acontecer, também mais de uma vez. Mas sempre me dói, e com eles não foi diferente. Além disso, eu basicamente observo, e toda minha percepção é uma forma de interpretar o que vejo, mesmo que meu coração se envolva enlouquecidamente. Novamente, estou ok assim.

A história de Dean e Cindy não foi o fim do mundo para mim, como costumam ser os romances doloridos. Vi tudo acontecer como se fosse a defesa de uma tese: casal aparentemente apaixonado se casa e não consegue lidar com seus problemas e a rotina. Unem-se muito sem saber por que, separam-se no ódio e desrespeito. Com certeza já vi isso antes também.



Mas Dean e Cindy não ficarão esquecidos em meio a tantas outras histórias. Eles são especiais. Desnudaram-se ao mundo e permitiram-se ser extremos, excessivos, afrontando o meu conforto. E por isso mesmo gosto deles. Não me deixaram quietinha, apaixonando-me junto com eles - embora ame isso também... -, mas me puxaram para o meio do furacão e me explicitaram algumas armadilhas do amor romântico.

Armadilhas que impedem, justamente, o amor de ser amor. O romance de acontecer. A velhice chegar para os dois. 


Adoro o amor, adoro romance, adoro ver todos se apaixonarem nas situações mais inusitadas. Mas tenho um carinho muito especial por quem balança minhas certezas e me mostra os inúmeros outros lados de uma mesma moeda. Não é que prefira a perturbação, mas há um lugar no meu coração reservado para quem ousa se mostrar de forma tão honesta.


Não sabia se queria vê-los novamente até que, um dia, ao passar por eles na vizinhança, percebi como eles estavam presentes comigo nesses dias. Os dois não estavam se ignorando, ou brigando ou com olhar de ressentimento um para o outro - eu sempre me questiono nos livros como um personagem consegue definir tão claramente o que o olhar do outro significa... Acho estranhíssimo, nem sempre o olhar se revela de forma tão transparente. Mas o ressentimento de Dean e Cindy era tão claro que realmente poderia transparecer no olhar.  Ele não estava mais ali. Meu coração bateu mais rápido, em contraposição à minha caminhada, que desacelerou. Tentando passar despercebida, e sem saber se era somente a minha vontade de vê-los felizes, achei que eles estavam diferentes. Sem tensão, conversavam sentados na escada da varanda da sua casa. 





Por essa eu não esperava, e considerava quase impossível. O final havia sido muito definitivo. Mas não custa sonhar, certo? Mesmo quando não queremos. E uma nova história poderia estar se iniciando ali. E eu, com certeza, iria me manter na vizinhança. Não sou nem boba de perder o desenrolar dessa nova trama...








My Funny Valentine, com Chet Baker, minha versão mais querida - além daquela em que ele canta - foi a inspiração para o título.

  


Namorados Para Sempre (Blue Valentine. Derek Cianfrance, US, 2010). O filme está também em As Viagens de Amélie nesta semana. Há filmes que me fazem sentir como se fossem palpáveis, incrivelmente próximos. Há outros que não me largam por muito tempo. Eles são diferentes entre si, não há uma razão explícita para me capturarem. 


Em imagens, eles aparecem nesta história. Alguns não vieram à lembrança agora, e é esquisito tentar trazê-los à memória. Eles se escondem, quando sei que são importantes. Bom, os que se apresentaram estão aqui, em ordem de aparição (isso soa melhor em inglês, rs): A filha de Ryan; Léolo; Orgulho & Preconceito; O Labirinto do Fauno; As Pontes de Madison; A Insustentável Leveza do Ser; Edward e Bella (cito os personagens porque eles me tocam, não o filme); Assédio; Amor à Flor da Pele; Lanternas Vermelhas; Uma Relação Pornográfica; Betty Blue; O Piano; Wimbledon; Blue Valentine. E, para encerrar, um filme que me prendeu por muito tempo, Lanternas Vermelhas:


2 comentários:

  1. Acho que o improvável pode acontecer - e até uma inimaginável reversão dos fatos - justamente porque o olhar nunca é 100% cristalino. Sempre tem aquela informaçãozinha guardada no fundo da alma que, dependendo das circusntâncias, pode vir à tona.
    Gostei muito do texto e fiquei curiosa para conhecer Dean e Cindy...

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  2. O improvável é o que deixa a vida mais legal, e nada rotineira, rs. Saudade!!!

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