terça-feira, 24 de maio de 2011

Duelo de Titãs (bêbados, perdidos e cobertos de cinzas)



Os eventos a seguir ocorreram no sábado passado, 21.05.2011.


Pedro voltava de sua descoberta dos campos islandeses quando avistou, sozinho na estrada, um homem alto que pedia carona.
Não havia nada ao redor. A Islândia é um bom lugar para se isolar. Ali, no meio do maior glaciar da ilha, Pedro já havia se desacostumado com a presença humana. Passara dez dias na casa que um amigo lhe emprestara, uma forma de se isolar para pensar em seu próximo filme. Um mergulho no vazio para alcançar o sentimento de isolamento. Na verdade, acabara por fazer vários amigos na região de Vatnajökull, e esse período fora mais de férias do que de criação.
Bom,  boas ideias surgem do ócio também, isso é fato.
A comunidade onde ficara era bastante unida, mas, a partir do momento em que entregou as chaves da sua cabana coberta de vegetação e entrou no carro alugado rumo a Reykjavík para pegar o vôo para a Espanha no dia seguinte, a terra se despovoou. Há meia hora dirigindo, não vira ninguém. No one. O sujeito parado no meio da estrada era quase uma assombração.
Parou o carro e desceu a janela do passageiro.
Hijo de la Putíssima Madre. What the F$*&#?
Impassível, Pedro disse:
- Hola, hombre. Precisa de carona?
Voltemos agora para o outro lado dessa história.
Em meio à incrível burocracia de pré-produção do seu novo filme, QT surtou. Pifou. Cansou. Colocou algumas roupas na mochila, chegou ao aeroporto e pegou a primeira passagem para a Islândia.
Em Reikjavík, encontrou um amigo de tempos. Ele tinha uma casa no maior glaciar da ilha, mas já estava emprestada. Além do que, estava de viagem marcada para Cannes. Ia chegar lá no fim do festival para promover seu filme e seguir de férias pela Riviera Francesa.
Assim, QT ficou sozinho na dorsal do mundo.
Os acontecimentos seguintes não estavam muito claros na sua cabeça. Andanças pela capital, turistas australianos de passagem pela cidade... Seu descanso virou um rave nórdica. Sem muitas lembranças, ele acordara aquele dia e, antes que todos os aussies acordassem, reunira suas coisas e saíra andando pelas estradas desertas da região de Vatnajökull.
Várias histórias apareceram enquanto andava pela região do glaciar. Idade Média e invasão nórdica misturadas com o fim do mundo. Uma rachadura na dorsal provocaria outra divisão no planeta, e novas raças surgiriam. Os únicos sobreviventes seriam os cowboys americanos e esquimós, que se encontrariam no meio do que sobrou para repovoar o mundo.
Parara numa espécie de estalagem em uma vila minúscula para almoçar e descansar. Não sabia de verdade aonde estava indo. Mas depois de muito carneiro e lagosta, e de uma conversa bizarra com o dono do lugar – que não o reconhecera -, ele pegou suas coisas - o casaco e a carteira, sobreviventes inexplicáveis de uma noite muito... muito... muito... ah, you know - e seguiu caminho. Já era meio tarde, o dia se aproximava do fim, mesmo que o sol não saísse mais do céu nessa época do ano. Bizarro. 
Parou no meio da estrada e esperou um carro aparecer.
Quando ele surgiu, holly shit. Nem no filme mais louco ele montaria essa cena.

Janela ainda aberta, Pedro esperava a resposta.
- Preciso voltar para Reikjavík. - O gigante disse pela janela aberta - Essa é a sua direção?
Pedro pensou que aquele ali estava com sorte. – Isso. Entra aí.
QT entrou e Pedro pôs o carro em movimento. Ficaram em silêncio por um tempo. Um sabia quem era o outro, mas não se conheciam realmente. E o fato de saberem quem eles eram e de estarem numa situação não muito conveniente para  nenhum dos dois – pior para Quentin, barbado, de ressaca e quase congelando no meio do nada. Assim, eles passaram algum tempo calados.
Até que Pedro resolveu dar um fim a esse constrangimento ao avistar uma parada no meio da estrada.
- Tarantino, certo? Preciso encher o tanque. Você se importa se pararmos aqui?
- No problem. Hey, look, cachorro quente. Incrível como neste país eles vendem cachorro quente em todo e qualquer lugar, até no meio do gelo.
- Ou principalmente no meio do gelo... – Pedro acrescentou.
- Verdade. – Tarantino foi dizendo enquanto saía do carro. – Eles fazem até churrasco no gelo aqui.
- Acho que não tem como evitar, num lugar com seis meses de neve por ano.
Pedro se sentiu como um guia turístico. Islândia, terra de grandes distâncias, pouco povoada, cachorro quente, neve e sol da meia noite... Não sabia por que, mas aquela situação o estava deixando tímido.
QT foi ao banheiro, Pedro encheu o tanque. Encontraram-se numa mesa ao lado do quiosque de cachorro quente. Outra coisa incrível na Islândia: mesmo com o frio – tudo bem que já fosse verão -, as pessoas comiam ao ar livre.
Povo estranho numa terra cinematográfica. Sua paixão por sorvete de baunilha, carrinho de supermercado e cachorro quente não se abalava com nada. Pedro e Quentin olharam ao redor. Um lugar deserto e incrivelmente lindo.
- Eu tinha vontade de filmar aqui – Quentin quebrou o silêncio, ao mesmo tempo em que dava uma mordida em um dos seus três hot dogs. – Um faroeste.
Pedro assentiu. Cabrón maluco aquele. Mas olha quem estava falando...
- Você, por outro lado, se fosse filmar aqui, não encontraria muito desafio.
- ???
_ É uma sociedade extremamente liberal. Gays islandeses travestidos de homens da neve não causariam muito impacto.
E a pessoa sabia meter o sapato na boca também. Será que ele não se calava nunca?
- You know – continuou a matraca – Clinton teve um enfarte logo após comer um desses cachorros quentes?
- Aqui?
- What? No! Em Reikjavik. O melhor cachorro quente do mundo. Você não conheceu?
- Não, cheguei e fui direto para o glaciar. Não fiquei muito na capital.
- Hmmm.
Indeed.
Silêncio novamente. Tarantino tinha de reconhecer, um dos cineastas mais criativos do mundo não era de falar muito. Ele, no entanto, era. Assim, procurou um assunto familiar aos dois.
- Gostei muito de Abraços Partidos. – Declarou assim, do nada, surpreendendo Pedro.
- Sí?
- Com certeza, maravilhoso. Genial - O entusiasmo estava voltando - Penélopeestálindaacâmeraéincrívelameiacenaemqueeladuplaasimesmaeasmaosquepassamnatelaascenasquelembrammulheres àbeira de um ataquedenervos... ... ... 
Amazing a velocidade com que essa criatura conseguia falar.
- Uma homenagem maravilhosa ao cinema. Emocionei horrores.
- Gracias, man. Você também fez uma declaração de amor com Bastardos. Os dois filmes são do mesmo ano, no?
- 2009. Não costumo ouvir esse comentário a respeito de Bastardos.
- Entonces, foi o que mais me chamou a atenção. Fora o sotaque do Pitt, claro. E Christopher Waltz, que está incrível. Mas o cinema como lugar de transformação e até mesmo de criação da história... Quem não viveu a segunda Guerra de perto conhece Hitler sobretudo pelo cinema. O holocausto é uma experiência cinematográfica para quem não vivenciou a época, e até mesmo para quem estava lá. É uma testemunho, mais que os livros de história. Assim, se teria um lugar ideal para acabar com a cara do Hitler, esse lugar é o cinema. Vi o filme três vezes.
Agora Pedro havia soltado a língua, e calado um pouco Quentin. Dois feitos incríveis para apenas algumas linhas de discurso. Quentin tinha de reconhecer, quando a pessoa falava, era para valer.
- Não nos damos conta muitas vezes como nossa concepção do mundo vem do cinema. Claro, nós, cineastas, vivemos para criar essa visão cinematográfica da vida... Mas pessoas que somos nesse mundo perturbado, nós nos movimentamos também pelas imagens fotográficas, surreais, irreais e incrivelmente próximas de nós, como Hitler tendo seu rosto destruído pela metralhadora.
- Ideia genial, não?
- Genial. E o fogo na tela. Enfim, uma homenagem maravilhosa ao cinema também.
Sîlêncio novamente. O que os havia unido, o cinema, acabou por causar novo constrangimento, em duas pessoas que usualmente não se sentiam assim. Mas realmente um não sabia muito o que fazer com o outro. Isso não duraria muito tempo. Logo logo, eles seriam the best of friends.
Mas, naquele momento, ainda, nem a imensidão da Islândia não dava conta desses dois gigantes.


- What’s that? – Quentin  quebrou o silêncio e, embora não soubesse ainda, o mal jeito. O que viria a seguir ajudaria a quebrar qualquer distância entre eles. Afinal, uma jornada contra intempéries, aeroportos fechados e malt+applesin estava a se travar para os dois.
Ao olhar para o lado, Almodóvar pode ver a nuvem de fumaça que dominava o céu de Vatnajökull. Muito grande para ser um churrasco que deu errado.
- Há um vulcão aqui perto? – Pedro perguntou.
Quentin pensou e não conseguiu lembrar.
Um vulcão? Não podia ser, certo? Again? Quem iria pensar que a Islândia lançaria um torpedo de fumaça no céu uma vez por ano?
A existência e as suas surpresas. A jornada dos dois heróis começava ali. Uma história imprevisível acontecia agora na vida a de Quentin e Pedro.
Surreal, irreal e incrivelmente próxima.




Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos). Pedro Almodóvar, Espanha, 2009.
 +
Bastardos Inglórios (Inglourious Barterds). Quentin Tarantino, US/Alemanha, 2009. 
Dois dos meus filmes preferidos em 2009, eu achei de uma coincidência feliz que dois cineastas tão criativos e insanos escolhecem o mesmo ano para nos apresentar homenagens tão fortes ao cinema. Quando pensei no blog, em 2010, veio a ideia de colocá-los juntos na erupção do Vulcão na Islândia. O tempo passou, o blog só surgiu neste ano, e a história ficou anacrônica demais. Até que a Islândia teve novo Vulcão em erupção, sábado passando, dando-me a oportunidade de reviver a ideia. Esta história não está completa para mim... Pode ser que algumas mudanças ainda surjam. Mas preciso da proximidade com o vulcão (não vou esperar outro...), por isso eu a trago hoje aqui!



 Nas pesquisas sobre a Islândia, para conhecê-la um pouco melhor (eu sempre quis chegar até lá, pois a ilhae a Dorsal Meso-Oceânia acima do mar), cheguei a um blog -
http://www.vidanaislandia.com/files/category-4.html. Dele vieram muitas das informações presentes nesta história.

2 comentários:

  1. Muito legal ir descobrindo, adivinhando, constatando a identidade dos persnagens aos poucos. :-)

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  2. Eu gosto dessa história. Pensei nela há tempos, achei até que ela não fosse se concretizar, rs.

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