terça-feira, 31 de maio de 2011

Vampire Matchmaker

Isolda King, age 28, desligou a televisão um dia com a certeza de haver encontrado a sua alma gêmea. Ou pelo menos o caminho para encontrá-la...


Natural de Dubrovnik, Croácia, Isolda havia crescido em meio a muralhas medievais e histórias de reis e rainhas. Após perder os pais aos dezesseis anos, esturada em escolas e universidades pela Europa. Até o dia em que decidira largar sua última incursão, dessa vez na ciência política, para estudar teatro em Nova York. Dos prédios medievais, góticos e renascentistas, passara para outra paisagem.
Por dois anos, estudou, ralou, cantou, dançou e, claro, serviu várias mesas para garantir a realização de seu mais novo sonho. Não que ela tivesse muitos problemas em se sustentar. Herdeira de uma pequena fortuna, administrada pelo seu tio, ela podia vagar de projeto em projeto, sem muitas preocupações além de qual seria a  próxima aventura quando se cansasse da atual.
Porque a vida, para Isolda, era, sem dúvida, uma aventura.
Não que ela fosse inconsistente, no way. Inteligente ao extremo, com um temperamento tranquilo, ela simplesmente não se ajustava. Nada fazia sentido quando a novidade de um novo estudo acabava. E assim ela seguia em frente.
Atuar fora a diferença. Ela seguira os dois anos de curso, dedicara-se ferrenhamente à rotina extenuante de atriz iniciante; marcava lugar na fila às quatro da manhã para as audições, estudara todos os livros que chegaram às suas mãos, aprofundara seus conhecimentos de filosofia, psicologia. Enfim, dedicara-se o máximo, e assim se formara com destaque.




Ao se mudar para Los Angeles, ela já tinha tudo planejado na sua cabeça. Chegara com a indicação de um agente bastante conceituado na cidade mais competitiva do cinema – exceto, talvez, Bombaim... Participara de inúmeras audições, estreara em uma ponta em um filme independente, fizera novos contatos.

Mas, mesmo com um início promissor, ainda tinha muito tempo livre nas mãos. Já fora da escola, achara desnecessário continuar com o papel de estudante que se sustenta. Vivia confortavelmente dos rendimentos que lhe cabiam, buscando o sucesso e vagando pela cidade mais esquisita que já conhecera.


Com muito tempo livre, e também como método de pesquisa – claro -, passara a ver todas as séries de televisão de sucesso no momento. Apaixonou-se por True Blood, e viu as três temporadas em uma semana.
Havia perdido os filmes da saga Crepúsculo no cinema, então comprou os DVDs e viu os três em um dia.
Já que os vampiros estavam em destaque, aproveitou para ver Vampire Dairies. E por que não? Com o fim da temporada em maio, ela completou seu círculo de amor romântico e romance sanguinário.
Ao fim do último episódio de VD, Isolda pegou o telefone e ligou para seu agente, marcando uma reunião para o dia seguinte. Era caso de extrema urgência, ela explicou.
Chegou ao escritório de Will em cima da hora, como era seu costume. Mas não atrasada; isso, jamais. Conversou um pouco com a recepcionista, tomou uma água e esperou que seu digníssimo agente a recebesse.


Entrou no escritório simples e bem cuidado e sentou-se na cadeira que lhe foi oferecida.
E, sem muita conversa, foi logo ao assunto:
- Fitzwillian, preciso que você me coloque como protagonista num filme de vampiros.
Por essa o agente não esperava. Assim como não contava com o apelo ao seu nome completo, que odiava.
- Eu sei que a demanda anda grande, a concorrência é impensável. Não sou mais adolescente, o que realmente pode ser uma grande desvantagem. Mas não pode ser um papel secundário. Preciso ser a heroína. Minha vida e felicidade realmente dependem disso.
Essa história ficava cada vez mais estranha.
- Veja bem: já estudei literatura inglesa, russa e francesa. Matemática e contabilidade. Ciências políticas e filosofia. Gastronomia, cinema e, claro, pintura. Não sou tonta, burra, feia ou desinteressante. Converso com qualquer pessoa em qualquer lugar sobre qualquer assunto. Meu desempenho dramático é excelente, e me formei com destaque em NY. Leio de tudo, assisto a tudo, adoro música. Consigo me entrosar perfeitamente com uma criança de 2 anos ou com um intelectual convencido de 70. Já viajei o suficiente para uma vida inteira. Hoje sou feliz, encontrei o que amo fazer. Só falta, realmente, uma coisa.
E a incógnita seguia seu rumo.
- Amor, Will! Não sei o que é o Amor!!! Conheci homens interessantes, inteligentes, atraentes, mas por nenhum deles me apaixonei realmente. Tive namoros, fui feliz. Mas não conheci o romance real. True Love. E sem True Love, não acho que eu consiga viver.
Fazia sentido, mas Will não entendia onde entravam os vampiros nessa história.


- Will, você já prestou atenção às histórias de vampiro que andam por aí? Bella e Edward? Sookie e Bill e Eric? Elena e Stefan? Elena e Damon? O Amor é a cura para a inadequação, a dor, a solidão. Ele eleva a alma e redime os que perderam a alma e vagam pelo mundo sem pulso no coração. O Amor move o mundo, desmorona barreiras, une opostos, ultrapassa os limites de uma existência sem sentido. O Amor, Will, eu quero encontrar. E acho que agora sei qual o caminho.
Dramática ela sabia ser. E sincera, apaixonante e ingênua. Mesmo o contido Will, com sua vida simples apesar da confusão do meio em que se movimentava, sentiu um impulso de levantar da sua cadeira bege e buscar a felicidade de um true love. O impulso passou rapidamente, e ele ainda estava sem saber o que isso a busca pela realização romântica tinha relação com o pedido da sua cliente.
- Você não está fazendo seu trabalho direito, Will. Já prestou atenção? Kristen Stewart e Robert Pattinson, depois de uma curta vida de decepções amorosas, encontram o Amor, juntamente com Bella e Edward. Uma história feita para os filmes, eles se apaixonaram. Seu amor, claro, era impossível, escolhas foram feitas e agora, diante do mundo, eles estão unidos e apaixonados. Ian Somerhalder não parece ser um cara muito monogâmico, mas encontrou sua alma gêmea em Nina Dobrev, dando a seu Damon uma vantagem que Stefan nunca iria conseguir. E Ana Paquin? Ela não só encontrou o amor, como casou – CASOU, Will – com Stephen Moyer, o vampiro Bill, o primeiro amor da sua personagem Sookie. Felizes e apaixonados, eles andam pelas ruas de mãos dadas, em LA, Paris, NY, dizendo para mim que o meu caminho ainda não está completo. Mas agora eu sei, Will, e esta passa a ser a sua missão também.
Will queria acrescentar, no meio desse discurso inflamado, que o amor romântico era um mito, - e Isolda, como seu nome e cultura medievais, devia saber melhor que ninguém - e que true love era um bom elemento de histórias de ficção, mas, na vida real – principalmente na vida dos atores e atrizes -, ele não era muito true nem para sempre. Tampouco, era uma fórmula mágica.
A coincidência era grande? Talvez. Mas, a seu ver, bastava juntar duas pessoas – horny adolescentes, sobretudo – em cenas calientes e a true attraction aparece, sem dúvida.
Mas não era ele que iria dizer tudo isso a ela.


Além do que Will não era realmente cínico. Fitzwillian George the V Transitava por um mundo cruel, mas conseguia manter-se firme e honesto. Com muito esforço e perda financeira, havia construído uma boa reputação. Conseguira nao verder a alma - sem trocadilhos - para realizar o seu trabalho, e por isso já se considerava satisfeito.
Ele também não havia encontrado True Love. Nem pensara nisso. Relacionamento para ele era sexo, e até agora estivera feliz com suas escolhas.
Felicidade e certeza que evaparam no momento em que Isolda entrara na sua sala. O mundo havia parado, o ar se tornara rarefeito e Will tinha descoberto que ele não sabia nada de nada, principalmente sobre o Amor. Outra felicidade se formara nele, então. Desde esse dia seu coração se partia toda vez que a via.
Mas, again, não era ele que iria dizer isso a ela. Not today. 
- Assim, Will, meu querido agente e amigo, sua missão agora são os filmes de vampiro. O Amor Verdadeiro sinalizou o caminho para mim. Basta encontrá-lo, e nisso conto com sua ajuda e dedicação. Bom dia para você e boa procura.
Isolda levantou, fechou a porta com delicadeza e deixou Will novamente sozinho no seu escritório, pensando como diabos ia fazer para se tornar ator.



Na semana passada, vi as fotos de Nina Dobrev e Ian Somerhalder, de Vampire Diaries, em Paris. Os dois se conheceram na série e hoje namoram. Eu comi mosca, porque não sabia. Isolda nasceu, então. Porque realmente é demais. Você está na sua casa, tranquilo, vai fazer um filme ou série de vampiro, e, bum, fall in love. Vampiros alcoviteiros...


True Love como expressão absoluta eu conheci em A Princesa Prometida (The Princess Bride. Rob Reiner, US, 1987), que eu aaaaaaaaaaaamo. Amo. E a trilha sonora de Mark Knoples é the best. Por ele eu peguei meu primeiro livro em inglês (de William Goldmann, com homônimo do filme), já que não o encontrava em português. Nele, quando se fala em True Love, explica-se tudo. Não há dúvidas, incertezas ou questionamentos.  Simples e complicado assim.

Ao revisar a história agora, uma frase me vinha à cabeça - viver sem amor? mas isso é horrível!!! Ouvia o personagem gritando, sabia que se tratava de um filme especial para mim, mas não conseguia conectar com o nome. Quando estava para desistir, lembrei. E como pude esquecer? Christian, em Moulin Rouge (Baz Luhrmann. US, Austrália, 2001), na sua fala antes do Elephant Love Medley. All you need is love

terça-feira, 24 de maio de 2011

Duelo de Titãs (bêbados, perdidos e cobertos de cinzas)



Os eventos a seguir ocorreram no sábado passado, 21.05.2011.


Pedro voltava de sua descoberta dos campos islandeses quando avistou, sozinho na estrada, um homem alto que pedia carona.
Não havia nada ao redor. A Islândia é um bom lugar para se isolar. Ali, no meio do maior glaciar da ilha, Pedro já havia se desacostumado com a presença humana. Passara dez dias na casa que um amigo lhe emprestara, uma forma de se isolar para pensar em seu próximo filme. Um mergulho no vazio para alcançar o sentimento de isolamento. Na verdade, acabara por fazer vários amigos na região de Vatnajökull, e esse período fora mais de férias do que de criação.
Bom,  boas ideias surgem do ócio também, isso é fato.
A comunidade onde ficara era bastante unida, mas, a partir do momento em que entregou as chaves da sua cabana coberta de vegetação e entrou no carro alugado rumo a Reykjavík para pegar o vôo para a Espanha no dia seguinte, a terra se despovoou. Há meia hora dirigindo, não vira ninguém. No one. O sujeito parado no meio da estrada era quase uma assombração.
Parou o carro e desceu a janela do passageiro.
Hijo de la Putíssima Madre. What the F$*&#?
Impassível, Pedro disse:
- Hola, hombre. Precisa de carona?
Voltemos agora para o outro lado dessa história.
Em meio à incrível burocracia de pré-produção do seu novo filme, QT surtou. Pifou. Cansou. Colocou algumas roupas na mochila, chegou ao aeroporto e pegou a primeira passagem para a Islândia.
Em Reikjavík, encontrou um amigo de tempos. Ele tinha uma casa no maior glaciar da ilha, mas já estava emprestada. Além do que, estava de viagem marcada para Cannes. Ia chegar lá no fim do festival para promover seu filme e seguir de férias pela Riviera Francesa.
Assim, QT ficou sozinho na dorsal do mundo.
Os acontecimentos seguintes não estavam muito claros na sua cabeça. Andanças pela capital, turistas australianos de passagem pela cidade... Seu descanso virou um rave nórdica. Sem muitas lembranças, ele acordara aquele dia e, antes que todos os aussies acordassem, reunira suas coisas e saíra andando pelas estradas desertas da região de Vatnajökull.
Várias histórias apareceram enquanto andava pela região do glaciar. Idade Média e invasão nórdica misturadas com o fim do mundo. Uma rachadura na dorsal provocaria outra divisão no planeta, e novas raças surgiriam. Os únicos sobreviventes seriam os cowboys americanos e esquimós, que se encontrariam no meio do que sobrou para repovoar o mundo.
Parara numa espécie de estalagem em uma vila minúscula para almoçar e descansar. Não sabia de verdade aonde estava indo. Mas depois de muito carneiro e lagosta, e de uma conversa bizarra com o dono do lugar – que não o reconhecera -, ele pegou suas coisas - o casaco e a carteira, sobreviventes inexplicáveis de uma noite muito... muito... muito... ah, you know - e seguiu caminho. Já era meio tarde, o dia se aproximava do fim, mesmo que o sol não saísse mais do céu nessa época do ano. Bizarro. 
Parou no meio da estrada e esperou um carro aparecer.
Quando ele surgiu, holly shit. Nem no filme mais louco ele montaria essa cena.

Janela ainda aberta, Pedro esperava a resposta.
- Preciso voltar para Reikjavík. - O gigante disse pela janela aberta - Essa é a sua direção?
Pedro pensou que aquele ali estava com sorte. – Isso. Entra aí.
QT entrou e Pedro pôs o carro em movimento. Ficaram em silêncio por um tempo. Um sabia quem era o outro, mas não se conheciam realmente. E o fato de saberem quem eles eram e de estarem numa situação não muito conveniente para  nenhum dos dois – pior para Quentin, barbado, de ressaca e quase congelando no meio do nada. Assim, eles passaram algum tempo calados.
Até que Pedro resolveu dar um fim a esse constrangimento ao avistar uma parada no meio da estrada.
- Tarantino, certo? Preciso encher o tanque. Você se importa se pararmos aqui?
- No problem. Hey, look, cachorro quente. Incrível como neste país eles vendem cachorro quente em todo e qualquer lugar, até no meio do gelo.
- Ou principalmente no meio do gelo... – Pedro acrescentou.
- Verdade. – Tarantino foi dizendo enquanto saía do carro. – Eles fazem até churrasco no gelo aqui.
- Acho que não tem como evitar, num lugar com seis meses de neve por ano.
Pedro se sentiu como um guia turístico. Islândia, terra de grandes distâncias, pouco povoada, cachorro quente, neve e sol da meia noite... Não sabia por que, mas aquela situação o estava deixando tímido.
QT foi ao banheiro, Pedro encheu o tanque. Encontraram-se numa mesa ao lado do quiosque de cachorro quente. Outra coisa incrível na Islândia: mesmo com o frio – tudo bem que já fosse verão -, as pessoas comiam ao ar livre.
Povo estranho numa terra cinematográfica. Sua paixão por sorvete de baunilha, carrinho de supermercado e cachorro quente não se abalava com nada. Pedro e Quentin olharam ao redor. Um lugar deserto e incrivelmente lindo.
- Eu tinha vontade de filmar aqui – Quentin quebrou o silêncio, ao mesmo tempo em que dava uma mordida em um dos seus três hot dogs. – Um faroeste.
Pedro assentiu. Cabrón maluco aquele. Mas olha quem estava falando...
- Você, por outro lado, se fosse filmar aqui, não encontraria muito desafio.
- ???
_ É uma sociedade extremamente liberal. Gays islandeses travestidos de homens da neve não causariam muito impacto.
E a pessoa sabia meter o sapato na boca também. Será que ele não se calava nunca?
- You know – continuou a matraca – Clinton teve um enfarte logo após comer um desses cachorros quentes?
- Aqui?
- What? No! Em Reikjavik. O melhor cachorro quente do mundo. Você não conheceu?
- Não, cheguei e fui direto para o glaciar. Não fiquei muito na capital.
- Hmmm.
Indeed.
Silêncio novamente. Tarantino tinha de reconhecer, um dos cineastas mais criativos do mundo não era de falar muito. Ele, no entanto, era. Assim, procurou um assunto familiar aos dois.
- Gostei muito de Abraços Partidos. – Declarou assim, do nada, surpreendendo Pedro.
- Sí?
- Com certeza, maravilhoso. Genial - O entusiasmo estava voltando - Penélopeestálindaacâmeraéincrívelameiacenaemqueeladuplaasimesmaeasmaosquepassamnatelaascenasquelembrammulheres àbeira de um ataquedenervos... ... ... 
Amazing a velocidade com que essa criatura conseguia falar.
- Uma homenagem maravilhosa ao cinema. Emocionei horrores.
- Gracias, man. Você também fez uma declaração de amor com Bastardos. Os dois filmes são do mesmo ano, no?
- 2009. Não costumo ouvir esse comentário a respeito de Bastardos.
- Entonces, foi o que mais me chamou a atenção. Fora o sotaque do Pitt, claro. E Christopher Waltz, que está incrível. Mas o cinema como lugar de transformação e até mesmo de criação da história... Quem não viveu a segunda Guerra de perto conhece Hitler sobretudo pelo cinema. O holocausto é uma experiência cinematográfica para quem não vivenciou a época, e até mesmo para quem estava lá. É uma testemunho, mais que os livros de história. Assim, se teria um lugar ideal para acabar com a cara do Hitler, esse lugar é o cinema. Vi o filme três vezes.
Agora Pedro havia soltado a língua, e calado um pouco Quentin. Dois feitos incríveis para apenas algumas linhas de discurso. Quentin tinha de reconhecer, quando a pessoa falava, era para valer.
- Não nos damos conta muitas vezes como nossa concepção do mundo vem do cinema. Claro, nós, cineastas, vivemos para criar essa visão cinematográfica da vida... Mas pessoas que somos nesse mundo perturbado, nós nos movimentamos também pelas imagens fotográficas, surreais, irreais e incrivelmente próximas de nós, como Hitler tendo seu rosto destruído pela metralhadora.
- Ideia genial, não?
- Genial. E o fogo na tela. Enfim, uma homenagem maravilhosa ao cinema também.
Sîlêncio novamente. O que os havia unido, o cinema, acabou por causar novo constrangimento, em duas pessoas que usualmente não se sentiam assim. Mas realmente um não sabia muito o que fazer com o outro. Isso não duraria muito tempo. Logo logo, eles seriam the best of friends.
Mas, naquele momento, ainda, nem a imensidão da Islândia não dava conta desses dois gigantes.


- What’s that? – Quentin  quebrou o silêncio e, embora não soubesse ainda, o mal jeito. O que viria a seguir ajudaria a quebrar qualquer distância entre eles. Afinal, uma jornada contra intempéries, aeroportos fechados e malt+applesin estava a se travar para os dois.
Ao olhar para o lado, Almodóvar pode ver a nuvem de fumaça que dominava o céu de Vatnajökull. Muito grande para ser um churrasco que deu errado.
- Há um vulcão aqui perto? – Pedro perguntou.
Quentin pensou e não conseguiu lembrar.
Um vulcão? Não podia ser, certo? Again? Quem iria pensar que a Islândia lançaria um torpedo de fumaça no céu uma vez por ano?
A existência e as suas surpresas. A jornada dos dois heróis começava ali. Uma história imprevisível acontecia agora na vida a de Quentin e Pedro.
Surreal, irreal e incrivelmente próxima.




Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos). Pedro Almodóvar, Espanha, 2009.
 +
Bastardos Inglórios (Inglourious Barterds). Quentin Tarantino, US/Alemanha, 2009. 
Dois dos meus filmes preferidos em 2009, eu achei de uma coincidência feliz que dois cineastas tão criativos e insanos escolhecem o mesmo ano para nos apresentar homenagens tão fortes ao cinema. Quando pensei no blog, em 2010, veio a ideia de colocá-los juntos na erupção do Vulcão na Islândia. O tempo passou, o blog só surgiu neste ano, e a história ficou anacrônica demais. Até que a Islândia teve novo Vulcão em erupção, sábado passando, dando-me a oportunidade de reviver a ideia. Esta história não está completa para mim... Pode ser que algumas mudanças ainda surjam. Mas preciso da proximidade com o vulcão (não vou esperar outro...), por isso eu a trago hoje aqui!



 Nas pesquisas sobre a Islândia, para conhecê-la um pouco melhor (eu sempre quis chegar até lá, pois a ilhae a Dorsal Meso-Oceânia acima do mar), cheguei a um blog -
http://www.vidanaislandia.com/files/category-4.html. Dele vieram muitas das informações presentes nesta história.

terça-feira, 3 de maio de 2011

“Satelite Heart” + “Old England is Dying”

A vida pode se encontrar na encruzilhada de duas crenças muito distintas, que, no entanto, convivem no coração e na mente como a herança de uma sociedade que não se reconhece mais muito claramente.
De um lado do quadro, crescemos para a vida adulta com a crença infantil de que precisamos de alguém que nos cuide, proteja e nos retire da provável enrascada de uma vida adulta independente. O mito do amor romântico tão presente no nosso cotidiano, em histórias, filmes, telejornais,  mantém essa crença viva e tão atraente. Do outro lado da figura, esta mais visível e fácil de ser admitida,  está a pessoa que cresce para ser independente,  culta e bem-sucedida, que não depende do casamento ou da construção de uma família para ser bem realizada e feliz. Essa pessoa não precisa de um salvador, não é uma princesa na torre. Das enrascadas que a vida lhe apresenta ela consegue sair sozinha. Essas duas imagens fazem parte do mesmo quadro, e, enquanto não necessariamente se opõem, elas podem se confrontar nas escolhas que fazemos.
O primeiro lado é o que prevalece, apesar de ficar oculto, bem escondido contra a parede da vida social e atrás do outro lado, mais aceitável hoje. Ele é oculto e predominante, presente nas narrativas que nos encantam. Nossa falta de atenção com essa imagem nos faz cair em armadilhas bem estranhas durante nossa vida.
 
Annie saiu do cinema com lágrimas nos olhos e o coração apertado. Ficara sentada na cadeira até o fim dos créditos e um pouco além. Só levantara quando os responsáveis pela limpeza entraram na sala, recolhendo sacos de pipoca largados no chão e copos gigantes de refrigerante.  A sessão não estava muito cheia, era um dia de semana à tarde, mas um furacão parecia ter passado no cinema. Nela, o tumulto se instalara também, internamente, ameaçando implodir dentro dela e explodir na superfície.  Somente quando a vassoura chegou à sua fileira, Annie tomou coragem de levantar e sair da bolha em que entrara ao início do filme. Geralmente bastante controlada, dona de atitudes tranqüilas e sensatas, ela agora encontrava dificuldade em disfarçar a confusão por que passava.
O fato de passar por um tumulto já era uma novidade. Sua tranqüilidade a fizera aceitar a vida que se impusera, sem força de mudar, por quinze anos. No entanto, não a impedira de sentir o impacto da inércia.
Nesse momento, o céu azul desafiava a previsão do tempo e o fato de estarmos em Londres. Ainda assim, o frio não desmentia o inverno, e Annie apertou a gola do seu casado. Tinha de fazer algo, tomar alguma providência para acalmar seu coração. Ele batia tão rápido que ela temia hiper ventilar. E quem disse que um filme era só um filme? Ela soltou uma risada meio estrangulada e começou a caminhar, tentando controlar as batidas do seu coração e a bagunça na sua cabeça.


Caminhou por um bom tempo sem destino certo, sem olhar para as pessoas ou vitrines por que passava. Até que resolveu sentar-se a uma mesa em um café tranqüilo. Pediu um café e tentou parar um pouco o tumulto.
Desde que voltara a Londres, depois de se separar de Duncan e finalmente deixar Gooleness - my goodness, que nome...!!! - a cidade onde fora viver temporariamente há quinze anos - mais de uma década de uma vida provisória... -, sentia-se como um zumbi. Nada a abalava da imensa tristeza. Ela não dormia bem, trabalhava como um autônomo e tentava entender o que se passara com ela. E com Tucker. E seus emails incríveis. E sua visita a Gooleness. E o envolvimento dos dois. E o vazio que se seguira, o nada inesperado no que ela pensava ser a completude. Mas agora era apenas um vazio no coração. Os dias passavam, e ela não acreditava que algo a tiraria dessa tristeza enorme advinda da incompreensão sobre o que acontecera, mais do que a perda. Afinal, eles não se envolveram por tanto tempo. Mesmo assim a tristeza conseguia ser sufocante. E nela Annie permanecera, até que, finalmente, o dia do abalo sísmico chegara, e tudo por causa de Jenny e Nick Hornby e a crença no amor eterno salvador da pátria.
 Annie saíra de Gooleness - my goodness!!! -, uma cidade perdida no litoral da Inglaterra, com a percepção de que passara a vida esperando que algo, – mais precisamente alguém, – fosse a resposta a sua vida. Essa crença não era consciente, mas um resquício infantil numa vida já adulta. Mais, uma herança perpetrada em seguidas gerações. Para ela, Duncan era uma passagem que se tornara permanente, o trailer de um filme que nunca começara. Quando Tucker, o musico americano apareceu, com sua vida complicada e coração tumultuado, ela vira uma luz no fim do túnel. Mas como esperar luz de uma pessoa que vivia no vazio sem iluminação? Nada disso ela quis saber, à época. Na esperança de uma saída sinalizada da vida que levara, criara um Tucker muito mais interessante do que ele conseguia ser fora dos emails que trocavam e de suas musicas. Ignorara todos os sinais de que algo poderia não ser bem aquilo que esperava.


Na incompreensão de como ele podia ter deixado seu vazio predominar à ligação que eles tiveram, Annie vivera ela mesma num espaço vazio, apesar de toda a sua vida mudar ao seu redor de uma forma muito importante. Ela fora para Londres com a rara indicação de um emprego –- ironicamente,  a mãe de uma das filhas de Tucker conseguira para ela uma colocação -, que, mais raramente ainda, dera certo. Um museu pequeno e pouco importante na cena artística de Londres, mas infinitamente mais interessante que o lugar em que ela trabalhara antes. Após vender sua casa -– ok, sua e de Duncan - – em Gooleness - !!! -, ela conseguira dar entrada em um ultra minúsculo flat em uma área mais afastada da cidade, mas que ela amava. Tão pouco espaço que, no entanto, era todo dela.
Saíra da pequena cidade no litoral já com a noção de que, com Tucker, havia optado por um atalho, uma força exterior que a tirasse da inércia. Um atalho que não era seu, mas de sua mãe, da sua cultura, do seu país. Um atalho inconsciente que se espalhara em suas crenças de forma sutil e ali permanecera, parasita, alimentando-se de suas esperanças, desejos e expectativas. Annie conseguira ver o atalho, mas, mesmo com a mudança, não conseguia deixar de acreditar que ele era a real solução, até que entrara em um cinema para assistir  An education.


Tucker foi para ela o que a alternativa havia sido para Jenny, protagonista do filme: uma saída fácil, maravilhosa, intensa e divertida. Ela não considerava a atração à novidade e à oportunidade de escapar um erro. Nem sempre é fácil se manter fiel ao que se deseja da vida se não se vê claramente o que se quer. E se o caminho não acontece muito facilmente, fica mais complicado identificar se estamos no nosso rumo.  Bom, não existe um sinal que diga, certo, siga em frente, você está no caminho certo... assim, claro, um atalho pode ser muito bem-vindo. Mesmo que não seja a melhor alternativa.
Annie se permitiu sentir pena de si mesma. Mas, agora, apenas por alguns momentos. Sentada no café deserto, conseguiu também sentir, pela primeira vez em algum tempo, alívio. Caíra em uma armadilha, sim – uma  armadilha secular. Criara uma pessoa que não existia fora da sua expectativa. Acreditara no atalho, mas dele se desviara - na verdade, dele fora arrancada, assim como ocorreu com Jenny.
No entanto, apesar do tumulto, ou justamente por ele, conseguia pensar em outras vias de acesso à vida que desejava. Podia, assim, começar a planejar sua história. Finalmente era capaz de reconhecer, e de afirmar para si mesma, que os caminhos que precisava construir não permitiam atalhos.
Jenny havia aproveitado o seu atalho enquanto durou. Conheceu coisas novas, divertiu-se muito e perdeu sua inocência. Bom, ela acabou também com o coração partido. Mas, o mais importante de tudo: a partir disso o caminho que escolheu não representava mais a sua única opção, e sim uma escolha sua. Uma escolha feita não para agradar seus pais, mas destinada a si mesma. Após tudo o que havia vivenciado, ela pode escolher o que realmente queria, com o coração aberto, mesmo que ele no momento houvesse se partido. As suas experiências de vida não eram mais importantes que sua educação; esta, no entanto, não seria a mesma sem o que havia vivido. Experiência e educação não se oponham, em Jenny, mas se uniam para criar a pessoas que ela veio a se tornar.


Annie achava incrível que havia sido necessária a experiência de adolescente de uma jornalista - a Jenny do filme fora baseada na jornalista Lynn Barber, de quem Annie gostava e admirava -, um escritor careca maravilhoso - não era incomum Annie sonhar com Nick Hornby em situações bastante interessantes após ler um livro seu (!!!) - e uma tarde de folga do novo emprego para que ela conseguisse entender os caminhos que havia seguido por quinze anos, e que a deixaram tão insatisfeita a ponto de se agarrar na primeira rota de fuga que aparecera (a primeira em quinze anos; Gooleness não era uma cidade conhecida pelas oportunidades...).
Olhando dessa forma, o quadro não se apresentava tão ruim. Na verdade, olhá-lo sob outro ângulo, com a ajuda de Jenny e Hornby, davam-lhe uma profunda esperança.
Ela pagou o café, que esfriara intocado na xícara, levantou-se e seguiu seu rumo. Os passos que deixavam marcas na neve enlameada do seu caminho eram somente dela.





Nick Hornby, autor inglês, foi o roteirista de An education, concorrente ao Oscar de melhor filme em 2010. O roteiro encontra-se disponível para venda, em português e inglês. Logo após finalizar o roteiro, ele iniciou o livro Juliet, Naked, já traduzido para o português. Nele encontrei uma semelhança de pensamento com a história de Lynn Barber, que deu origem a  An education. Foi quase uma tese, e ela me permitiu superar a imensa tristeza que quase me engoliu após terminar o livro. Assim, quis que Annie, criação em livro, e Jenny, presente no filme, se encontrassem para além da escrita incrível de Hornby, já que elas haviam se encontrado em mim
Vale dizer que este texto foi escrito há "quase exatamente" um ano. Fará um ano amanhã. As coisas acontecem de uma forma muito legal, porque esta é também a última história já escrita que publico aqui, do conjunto de textos criados no ano passado, quando tive a ideia do blog. A partir desta semana, as postagens serão todas inéditas e mais irregulares - não mais toda terça necessariamente. Quando surgir uma história, haverá um post. Vamos torcer...rs.