quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Mon Pére, Marguerite e les Livres d'Histoires Magniffiques





J'ARRIVE!!!!

Esse trovão que transpassa as paredes da minha casa é meu pai. 

Ele é enorme, o maior homem do mundo. Sua voz preenche o lugar onde moramos e enche meu coração.  Mesmo que eu não o veja, eu o escuto, em sua presença constante nos meus dias. E assim sei que estou seguro. 




A quem o chamar, ele atende. De onde estiver. Mas o faz de formas diferentes. Com minha mãe, há o sorriso largo, a voz forte. Ele fala com ela em gestos. Ele a suspende no ar enquanto afirma já haver ido ao mercado. Ele a beija repetidas vezes quando ela nos chama para almoçar. Ele gesticula fortemente quando ela o acusa de estar enrolando. Ele a abraça calmamente nos finais de tarde, enquanto observa a mim e a Margueritte no olhar.


Com Margueritte, a voz é sempre suave, como os gestos. Ele diz que ela é tão delicada que poderia quebrá-la muito facilmente. Ele cuida dela como das plantas na horta, dos pássaros no jardim e - é, também - de mim. 

Eu já contei de Margueritte? Ela é minha avó. Non, não minha avó, minha avó. Não é mãe do meu pai. Mas mora conosco e é minha avó. Eu a chamo de Titte e dela lembro desde sempre. Ela é a pessoa mais velha do mundo. Minha mãe ri quando eu digo isso e me responde que não. Bom, ela é a pessoa mais velha que conheço. 


E ela é minha amiga. No jardim, eu brinco e ela senta ao meu lado. Conversamos sobre tudo. E ela me conta histórias. São tantas e tão diferentes, elas nunca acabam. Há índios, terras distantes, mares sem fim. Homens corajosos, mulheres fortes. Cavalos, peixes, dragões... 

Todas as histórias estão na cabeça de Titte. Ela não lê mais, quase não enxerga - embora eu duvide disso, porque ela vê tudo que eu faço, principalmente se achar que está errado. Mesmo assim, na nossa casa, há livros por toda parte, e todos são dela. Quando minha mãe, na correria, tropeça neles, é uma trovoada. Não há espaço para gente nesta casa! E todos rimos, porque há espaço, e muito. 



Há muito dicionários também. Por toda parte. Eu não sei ler ainda, eles não fazem sentido para mim. Um livro só com palavras? O que isso tem de diferente? Todos os livros não possuem palavras? Mas meu pai diz que esse é diferente. Buscamos o que são as palavras e o que elas significam ali. Ele só me diz para não procurar por tomate, porque está tudo errado... Tomate-uva, pois sim! Há o tomate cereja, o tomate caqui... Ele brada enquanto morde um de seus sanduíches imensos. Mesmo assim, ele continua a ter um  dicionário sempre perto. 

Eu gostaria de saber das palavras, porque muitas eu não conheço. Assim aconteceu um dia: ao sair correndo da casa quando o chamaram na porta, minha mãe riu e disse que ele é um dínamo. Isso eu não sei o que é. Outras coisas, eu sei. As pessoas dizem que eu falo palavras difíceis para a minha idade, que sou inteligente. Disso eu não sei... eu falo o que eu penso. O que eu ouço nas histórias de Titte.



Nas tardes, antes da noite chegar, meu pai, seja que dia for, senta ao lado de Margueritte e lê para ela. Eu fico perto, sempre. Ouço a voz do meu pai, mais suave, chegar a outros lugares, contar de outras pessoas, dizer de sentimentos que eu até então não conhecia.  E eu viajo ali, perto dos dois. Minha mãe chega perto, antes do jantar, e me põe no seu colo. Seu abraço me alcança todo. Meu pai costuma parar de ler, nesse momento, olhar para nós dois, e dizer: "Sempre se retorna ao túmulo da mãe para uivar como um cão abandonado..."

Eu não sei o que isso quer dizer, mas minha mãe faz uma careta para ele e me abraça mais forte. 



Abraços também não faltam em casa. Tropeçamos neles como nos livros. Em cada momento do dia, uma história, um abraço e a voz retumbante - que já vi no dicionário - do meu pai, povoando os meus dias. Dias com meu pai, minha mãe e Margueritte.




 Minhas Tardes com Margueritte (La Tête en Friche. Jean Becker, França, 2010) foi um filme a que eu resisti chegar. A figura de Gérard Depardieu, infelizmente, não tem me chamado mais ao cinema como antes. Mas ao ler sobre o filme no imdb.com, resolvi fazer parte das tardes de Margueritte. Entrei no filme às 17h15 e nele estou até hoje. Encantamento e simplicidade me encontraram ali. Uma parte da minha vida também. Margueritte, uma senhora delicada e inteligente, me trouxe uma pessoa amada, minha Tia Chris, que, non, não é minha tia, assim... ela é, para mim, uma mãe de coração. Ela e Margueritte dividem a degeneração na mácula que as impede de estar com os livros, que amam tanto. 

Há tanto mais nesta história, mas eu quis mantê-la simples, como é o filme. Espero não tê-la deixado superficial... Ao final de Minhas Tardes com Margueritte, imaginei como seria a vida de pessoas tão especiais, em uma vila minúscula na França, em uma casa que havia sido sinônimo de tristeza para Germain, mas que, agora, adquiria o significado de uma nova vida feliz. 

Emoções são fundamentais na existência. E a empatia que elas permitem é essencial à alma. Ao final do filme, esperando os créditos passarem, com o coração emocionado e os olhos molhados, uma das moças da limpeza, um pouco mais velha que eu, parou à minha frente e perguntou: gostou, né? Eu disse que sim, e contei a ela o reconhecimento que tive em Margueritte. A resposta? Ela foi mais ou menos assim: Olha, se eu colocasse uma caixa d´água aqui todos os dias, todos os dias ela estaria cheia das lágrimas de todos que vêm esse filme. Eu o vi há um mês. Um mês? É, é isso. E me emociono até hoje

As pessoas são como as histórias... é só deixar que elas chegam e nos cativam

3 comentários:

  1. Ui, que vontade de conhecer Marguerite e gastar horas vespertinas com ela...
    Texto muito envolvente e gostoso!

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    1. Kakal, você vai amar!!! Está em cartaz aí? É uma história muito querida... Bjo grande!

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  2. Adri, vi. E tem tudo a ver com nosso projeto, mesmo. A doação, mais que de livros, do prazer pela leitura. Obrigada pela dica.
    Já tem em locadoras.
    Bom fim de semana,

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