quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Girassóis e Margaridas

Neste terceiro e último relato dos reencontros maravilhosos em Londres, algumas "coincidências" me levaram a uma pessoa muito, muito amada e a uma época preciosa. 



Acordei num dia especialmente cinzento no verão londrino - essa história ocorreu já há alguns meses, a narradora está de fato atrasada... Shorts e camisetas de lado, tirei a calça do fundo da mala, embrulhei-me num casaco e fui caminhar. Assim, sozinha, de bobeira. Caminhando pelas ruas, admirando as vitrines, deixando registradas na memória as diferentes pessoas que passavam pelo meu caminho. Andando assim, um Flâneur na multidão, descobri uma loja de trilhas sonoras de cinema. Entrei e outra viagem começou.

Ao pisar no tapete alaranjado, fui transportada aos meus doze anos... Do autofalante da loja, a voz de Cat Stevens ressoava no meu coração. 

Trouble oh, trouble set me free. I have seen your face and it's too much, too much for me. Trouble, oh , trouble can't you see? You're eating my heart away and there's nothing much left of me.

I have drunk you wine.
You have made yours worth mine
so won't you be fair?
So won't you be fair?

I don't want no more of you, so won't you be kind to me, so let me go where, I want to go there. Trouble, Oh, trouble move away. I have seen your face, and It's to much for me today. Trouble, oh, trouble can't you see? You have made me a wreck, now won't you leave me in my misery?

Como que acordando de um sonho, eu olhei ao meu redor. Que figura eu fazia ali, estática na entrada de uma loja, mergulhada em lembranças e emoções de vivências passadas. Disfarcei-me em uma cliente normal olhando as prateleiras e caminhei por aquele espaço ainda em imersa em devaneio.


Trouble tem uma letra forte, triste... mas ela me enche de alegria. E de esperança. E força. Vai entender? As palavras e sons da música me levam a uma experiência preciosa e amada, e nele eu mergulhei. O que havia na loja que me chamara tanto a atenção a ponto de nela entrar? Não sei... Dela saí ainda com Trouble e resolvi sentar em algum lugar para deixar o coração assentar no peito.

Encostada na janela de um café, agora eu estava na vitrine: as pessoas que passavam correndo na rua, atrasadas para o seu destino e inconformadas com o dia frio que invadiu seu verão, se permitiam um olhar de inveja para quem estava sentado confortavelmente em poltronas gordas com suas xícaras fumegantes na mão.   Eu era uma dessas pessoas, sentada, confortável. Eu estava, no entanto, em outros lugares. 


E o meu olhar? Ah, o meu olhar ultrapassava essa barreira humana e se fixava na imagem no outro lado da rua. Uma explosão de girassóis invadia a paisagem cinzenta. De todos os tamanhos, maravilhosos e intensos, eles ocupavam, em foto, toda uma parede entre duas lojas. Brilhantes, eles me fizeram mergulhar mais profundamente nas lembranças.

Nesse momento eu era só devaneio. Paguei o café, me confundi novamente com o turbilhão de pessoas e reassumi meu andar de Flanêur. Sem  objetivo conhecido, sem identidade.

E, assim, o meu destino - inconsciente, mas determinado desde o início da minha jornada nesse dia inusitado - se concretizou à minha frente. Parei na entrada de um teatro pequeno, espremido entre uma livraria enorme e um restaurante indiano. Na porta, um rosto conhecido: Harold and The Banjos, dizia o cartaz. Trouble, os girassóis... migalhas de pão que me conduziam aonde eu tinha de chegar. E ali estava eu.


Um cabeludo colorido e muito alto abriu a porta do teatro apressado. Parou um instante, percebeu a estátua humana de olhos vidrados no cartaz e perguntou se eu queria entrar. E ele o fez com um grande e brilhante sorriso de girassol. Eu acenei que sim e o segui para o calor e colorido da sala de espetáculos.

Uma banda se posicionava no palco. Algumas pessoas se espalhavam pelo teatro. Entrávamos na sala de um ponto mais alto. Ao descer pelo corredor entre as fileiras de cadeiras de veludo verde desbotado, eu saía do plano geral e ia, aos poucos, compondo também o cenário. Quase em frente ao palco, o cabeludo colorido muito alto parou, sorriu novamente - girassol!!! - e apontou para uma figura solitária sentada ao centro. Virou-se e me deixou sozinha para continuar meu caminho.


Eu me aproximei de Harold com a delicadeza que minha emoção exigia. Sentei ao sei lado, em silêncio. Meu olhar se fixou no palco por vários minutos até que, ainda com muito cuidado, virei a cabeça. Nós nos olhamos ao mesmo tempo. Sorrimos também ao mesmo tempo, e lágrimas chegaram aos meus olhos.

Os sons do nosso primeiro encontro surgiram novamente para mim: 

Trouble, oh, trouble
move from me
I have paid my debt
now won't you leave me in my misery.
Trouble, oh, trouble
please be kind.
I don't want no fight
and I haven't got a lot of time.

Quanto tempo eu não o via! Tantos sinais no dia e eu mal imaginava que Harold estaria no final do arco-íris me esperando. Envelhecido, o cabelo grisalho, rugas de vários risos ao redor dos olhos, ele, no entanto, me parecia o mesmo. Os mesmos olhos arregalados de espanto diante da vida - que continua a surpreendê-lo. O seu sorriso de margaridas... Ele segurou minha mão, a apertou com carinho e encostou-a no coração. Com um beijo, ele a colocou no meu colo, levantou e se juntou à sua banda para o ensaio.


Eu permaneci ali, com ele, como em todos esses anos em que não nos vimos. E ali iria permanecer por várias horas. Esquisito falar em horas, porque o tempo era outro ali. Suspenso em sentimentos e lembranças, os minutos não eram lineares.

Harold pegou seu banjo, acenou para a banda, sorriu novamente para mim e disse em música as palavras da minha alegria:

Well, if you want to sing out, sing out
And if you want to be free, be free
'Cause there's a million things to be
You know that there are


Quando me perguntam quais filmes são os meu favoritos, eu sempre fico em confusão. É impossível para mim lembrar do que me tocou tão fortemente assim, de supetão. Mas quando essa emoção se apresenta para mim novamente em imagens, aí fica fácil fácil Harold and Maude (Ensina-me a Viver. Hal Ashby, Us, 1971) é sem dúvida um dos filmes mais amados para mim. Eu o vi adolescente ainda. Nos anos 90, ele foi muito importante para mim. Mas ele não era fácil de encontrar. A trilha sonora de Cat Stevens também não estava assim disponível, e numa época em que a internet não estava aqui para permitir acessos antes impossíveis, eu andava pelas lojas procurando o CD. Até que o encontrei em uma loja em outra cidade - não lembro qual... Rio? Foi um acontecimento que dividi com Vivi, que compartilha comigo do amor pela história.


Este ano Harold and Maude reapareceu em várias circunstâncias diferentes da minha vida, e foi um reencontro importante. O DVD está à venda... Esbarrei na trilha sonora perdida aqui em casa e a levei para o carro, para ficar sempre comigo... Verônica, amiga de estudos do doc, declarou seu amor pelo filme e o trouxe para a sua escrita de memórias... E,finalmente, um sonho com Maude, que está no Degraus


Sobre o Flâneur, que Verônica também trouxe no seu diário de viagens e pesquisa, vale procurar mais sobre esse observador vagante da vida e da cidade nos escritos de Walter Benjamin : )


O amor pela vida que Maude mostrou a Harold invadiu meus dias e chegou até aqui, no Degraus, meu espaço de viagens, lembranças e declarações de amor a essas pessoas importantes na minha vida que são os personagens da ficção.


And there's a milions ways to go, you know that there are...




terça-feira, 29 de novembro de 2011

Something

Um dia eles dois apareceram em casa e eu nem sei como foi. Lembro que, se um dia eles não estavam lá, no outro eu já os cortejava, escondida da minha irmã.



Eu tinha sete anos e, numa casa de adultos, não tinha um espaço meu. Havia a sala, lugar de todos. Em ideia, porque ali predominava meu pai, em frente à televisão, fumando seus cigarros de palha fedorentos. O quarto da minha mãe era dela, espaço limpo e arrumado, nele eu não podia permanecer muito tempo. O meu quarto? Eu o dividia com a minha irmã mais velha, então meu ele não era... Assim, com a casa cheia, a vizinhança era meu reino, a bicicleta meu transporte, as horas fora da escola o meu tempo de ser.

Mas, às vezes, a casa ficava vazia... e nela, então, eu reinava.

Foi assim que me aproximei do primeiro disco dos Beatles. Como disse, eram dois. E eram da minha irmã. Na sua ausência, eles eram de ninguém... e deles eu me aproximei aos poucos.



Fui na ordem. O Álbum Vermelho, com aqueles quatro esquisitos na capa, eu segui por lados e faixas. O primeiro disco, lado A. O primeiro disco, lado B... e assim, foi, até chegar a Yellow Submarine, a última  do bolachão. No que tinha de linear nas faixas, esse caminho teve de fragmentário no tempo eu que eu o ouvi. Com sete anos, minha favorita era Michelle e, nessa idade, minha irmã ainda achava graça de chegar em casa e encontrar sua irmã caçula ouvindo a faixa, over and over again. Que bonitinho.

A algumas histórias, como as vejo agora, tive resistência nesse disco. Mas essa contrariedade permaneceu, e até hoje não gosto muito de Day Tripper ou Paperback Writer...

Do Álbum Vermelho, bem mais tarde, passei ao Álbum Azul. Pude, então, entender porque as capas desses discos eram diferentes. O mesmo local, mas em cores e faces distintas. Num, o quarteto bonitinho estava assim, mesmo, bonitinho... na outra, eles se encontravam diferentes, cabeludos, mais velhos. O Álbum Vermelho e o Azul foram se tornando tão diferentes quanto Paul, John, George e Ringo nas fotos.



Foi com o Álbum Azul, também, que minha curiosidade com o que as músicas diziam se tornou mais forte. Junto com um dicionário  inglês/português que encontrei pela casa, pude, aos poucos, desvendar o quebra-cabeças das palavras desconhecidas para a narrativa que as letras traziam.

Aos poucos, também, busquei saber mais sobre quem havia escrito e cantava as músicas que ouvia. Com dez anos, deparei-me com a morte absurda de John Lennon, um dos cabeludos da capa. E descobri, assim, que ele era muito mais que uma foto na contracapa de um álbum. Também soube que eles haviam se separado em 1970, ano em que nasci. A cada faixa que eu passava no Álbum Azul, mais de sua história se desvendava para mim.

Mais músicas faziam sentido, enquanto outras pareciam muito bizarras. Muito, muito bizarras. Mas eu continuava pelas faixas, sem pular nenhuma, num caminho de conhecimento e amadurecimento precioso.

Eu achava que estava no caminho contínuo, mas me enganei. Os discos haviam sido trocados em suas capas... e foi assim que cheguei ao lado A do segundo disco após já haver me dirigido, Acros the Universe, em direção a onde nascia o sol. Turururu.

E, assim, a maior surpresa estava por vir. Em fotografias de memória, vejo-me em casa, sozinha, na penumbra de um quarto que deixava o sol lá fora. Minha mão pegou a agulha do toca discos e a colocou na próxima faixa inédita para mim. E o mundo parou. 

Os primeiros sons de While My Guitar Gently Weeps me circularam como um ar brilhante. Paralisada, sabia que ali estava algo diferente de tudo que há havia ouvido. Que já havia sentido. Que já havia percebido. Que era uma guitarra perfeita, eu não sabia. Que George Harrison viria a ser meu Beatle favorito,eu nem imaginava. George who? 

A única coisa que eu sabia é que o mundo tinha de ser assim, como eu me sentia naquele momento.

Depois, o mundo se expandiu para além dos Álbuns Vermelho e Azul da minha irmã. Num programa de rádio sábado à tarde, a que eu ouvia recolhida num mundo próprio, enquanto esperava na fila para lavar o carro, vi que ele realmente ia muito além da seleção que ouvi nos dois discos. Outras histórias, momentos e, agora, CDs fizeram parte de mim. Os Beatles, eu vi então, eram mais do que eu imaginava aos doze anos. E esse mais compôs boa parte da minha visão de mundo.

Mas While my Guitar Gently Weeps permaneceu e permanece, num instante único, cristalizado no meu coração, como um refúgio especial no começo do mundo. 



Há dez anos, George Harrison voltava para casa. Sempre que penso nele, volta, para mim, o momento em que percebi o que uma música poderia significar para mim - com While My Guitar Gently Weeps. A força, o brilho, a confusão e, ao mesmo tempo, a completude de sons e narrativas que parecem me colocar no mundo - e não me tirarem dele. 

Dizem que todas as histórias são autobiográficas de alguma forma. Assim é dito em relação aos fatos que conta... Mas penso que pode haver mais proximidade aos fatos na ficção que num relato factual de acontecimentos passados. Tentei mesclar os dois nesta história, para contar da minha saudade de uma pessoa e músico incríveis. 

PS: Eu realmente não desisto. E por mais que ame George Harrison, há uma música dele que não suporto por nada no mundo e chega a me dar enjoo quando escuto... e ela é justamente Something. Para fazer justiça ao que ela represente na história de GH, eu a trouxe no título.

PS2: Os Degraus de Amèlie seguia com a apresentação de histórias que fazem parte de uma trilogia. Assim são os dois posts anteriores a este... falta ainda uma parte dessa tríade, que deve ser apresentada, espero, por esses dias...

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

An Ordinary and Happy Life


Antes de encontrar Shandurai em Londres, eu reencontrei outra pessoa muito querida, assim, sem esperar. O relato de Shandurai veio antes... mas o encontro que conto agora foi tão marcante quanto, mesmo que muito diferente.
Talvez tenha sido mais emocionante, pelas expectativas que gerou por onze anos. E por ser tão mágico quanto inesperado. Literalmente.


Um dia em agosto, andando por Londres, ao virar uma esquina, me vi, de repente, no Beco Diagonal.
Já ouviram falar? Diagon Alley, para falar como os ingleses, é uma região de Londres habitada por comerciantes bruxos. Você deve se lembrar de Harry Potter, creio eu. Ele também se espantou ao ver que, no centro de sua cidade, havia um lugar povoadíssimo, mas desconhecido da maioria dos londrinos. Na ocasião, ele estava acompanhado e teve em Hagrid um guia para tudo que era diferente. Eu entrei ali sozinho, subitamente, somente som as histórias de Harry como companhia.


Somente? As histórias são uma tremenda companhia...
Quando virei numa esquina e, assim, do nada, entrei no Beco, quase gritei. Fiquei parado alguns minutos, deslumbrado. Não precisava disfarçar o meu espanto ou extrema euforia de me encontrar ali. Os bruxos, por serem esquisitos por natureza, não repararam muito nas excentricidades deste que vos fala.  outros. E que surpresa eu poderia causar, parado, no meio da rua, goose pumps all over  meus braços, totalmente em choque pela minha boa sorte? E, afinal de contas, estranhíssimo que sou também, estava em casa ali.


Mesmo assim, por via das dúvidas, procurei caminhar pelas ruas do Beco Diagonal sem encarar as estranhas e maravilhosas criaturas que atravessavam meu caminho. As lojas eram incríveis, com mercadorias bizarras e interessantes por todo lado. Ordem não é uma obrigatoriedade para os bruxos, assim produtos eram expostos no meio das calçadas, mercadorias empilhavam-se sem uma categoria específica, e todos pareciam se entender muito bem  em meio ao caos. Definitivamente, eu estava em casa.

Algumas lojas eu conhecia das memórias de Harry. Ollivander’s Wand Shop, Jesus!!! Quase morri. O Sr. Ollivander estava ali, surpreendentemente bem, conversando com um garoto que o olhava fixamente, assustado, mas colocando toda a atenção de que era capaz em suas palavras. Lembro do encontro de HP com o Sr. Ollivander – “The wand chooses the wizard, Mr, Potter. It’s not always clear why. But I think it is clear, that you will do great things.” Harry também se assustou na ocasião, mas tudo fez sentido depois. A fila de novos alunos para Hogwarts na porta da loja era grande, e eu passei por ela com um sentimento misto de tristeza e esperança.
Outras lojas tenho certeza de que eram novas. Depois do sumiço de você sabe quem – nunca é demais prevenir, certo? -, o mundo dos bruxos passou por mudanças muito legais. Não que os problemas tivessem acabado, afinal, engraçadinhos metidos a lords of the evil sempre encontram ressonância neste e em outros mundos. Mas as coisas sem dúvida estavam mais tranquilas, com a vida acontecendo de forma que poderíamos chamar até de normal – se é que os bruxos podem ter normalidade associada a eles. Enfim.


Tudo isso eu pensava, comparando as memórias de HP com o que via, quando parei de repente, dei uns passos para trás e olhei a loja por que quase passei sem notar. Agora sim eu queria gritar mesmo, e um sorriso enorme e bobo grudou no meu rosto. Weasley’s Wizard Wheezes in fronte of me!!! Foi quase com reverência que abri a porta  e entrei no paraíso.
Um fantasma roxo com cabelos cor de laranja me saudou na entrada com um grito estridente de welcome hahahaha!!! Agora sim eu gritei de verdade, e logo depois caí na gargalhada. Aí você pensa que eu causei um estardalhaço... Capaz. Os sons na loja eram uma mistura de risos, gritos de surpresa, amigos chamando uns aos outros para mostrar as novidades. O meu grito se perdeu entre outros e fez parte da trilha sonora desse lugar  incrível.


A loja tem dois andares, com surpresas em todas as prateleiras, cantos, mostruários... há pegadinhas no chão, no teto, na escada para o segundo andar... Uma delícia.
E ali eu me perdi por algumas horas, em encantamento. Como não tinha dinheiro bruxo, e nenhuma conta secreta em Gringotts, só olhei. Mas já era uma festa.
Algumas figuras conhecidas eu vi ali. George, claro, mais velho, mas não mais sério, apesar da idade e das perdas por que passou. Ginny estava ali, correndo atrás de uma menina de cabelos ruivos, ameaçando colocá-la de castigo. Ron conversava com um grupo de garotos de uns onze anos, mostrando os novos sabores de Bertie Bott’s Every Flavour Beans, versão Weasley – eles gritam quando nós os mordemos...


Mas a surpresa maior estava no segundo andar, no fundo do grande salão, em meio a livros de jokes e pegadinhas, sentado a uma mesa repleta de livros de anotações e protótipos de novas invenções.
Ao me aproximar com cuidado, novamente reverente, eu perguntei bem baixinho: Harry Potter, is that you?


Ele levantou a cabeça das suas anotações com um sorriso. Os óculos tortos, alguns cabelos já brancos, rugas ao redor dos olhos, seu sorriso não era muito diferente da primeira vez que o vi. Meus olhos encheram de lágrimas, mas eu realmente tentei me controlar. Ele me reconheceu claro, e apesar de não nos vermos há um tempo, não havia se esquecido de mim.
Convidou-me para sentar e ficamos ali, um tempão, lembrando suas histórias. Afinal, foi por elas que nos aproximamos, e por elas eu costumo reencontrá-lo. Ao vivo, não foi muito diferente.
Sim, claro, eu tinha tantas perguntas, tanta curiosidade a respeito da sua vida após a última vez que nos vimos – em Kings Cross, num e encontro rápido e sinceramente curto para mim quando ele e Ginny se despediam dos filhos que iam para Hogwarts – que tive receio mesmo de atropelá-lo com minhas perguntas.


Assim, não consegui perguntar tudo o que queria. Muitas coisas ficaram sem saber, porque me dá um branco quando a emoção é demais. E ali ela estava explodindo.
Man, e eram perguntas. Quando o vi em Kings Cross, milhões de questões borbulhavam em mim. Depois de quebrar The Elder Wand em Hogwarts, o que aconteceu? Harry, Hermione e Ron voltaram para a escola? Como foram os casamentos??? Em que eles todos resolveram trabalhar, o que escolheram para fazer de suas vidas profissionais depois de abandonarem suas atividades contra as forças das trevas e o careca sem nariz? Como era sua vida cotidiana, a ordinary life tão desejada pelo menino que saiu do armário (sem trocadilhos, ele literalmente saiu de um armário, right?) para o estrelato e aventuras e perdas gigantescas???
Eu queria saber tudo. Queria.


E do pouco que me contou, pude saber como ele se tornara sócio definitivo de George, e até ajudava em algumas invenções. Disse como viajava constantemente para a filial em Hogsmead, e assim  podia ver os filhos James e Albus durante suas visitas à vila – embora procurasse se manter afastado na maior parte do ano, para não interferir na experiência dos dois na escola. Mas realmente não conseguia ficar longe todo o tempo.
Porém, apesar de ficarmos horas ali, nossa conversa ocorreu principalmente em reminiscências, e ainda não sei muito a respeito de sua vida depois de Hogwarts e da Segunda Guerra dos Bruxos. Uma frustração para mim, agora que me encontro fora do Beco Diagonal.
Mas é uma bobagem, eu sei. O importante ali foi estarmos perto novamente, eu saber que ele está feliz na sua vida absolutamente normal – again, na normalidade relativa que é a vida dos bruxos – e que ele conseguiu, afinal de contas, manter-se longe da confusão que marcou sua vida até os 17 anos. A confusão agora vem dos filhos adolescentes, da bagunça de uma casa cheia e, claro, das invenções malucas da loja.
Enfim, an ordinary, lovely and happy life.  
  

Deixei o Beco em estado de encantamento e emoção, com os bolsos carregados de feijões de todos os sabores gritando e um convite para voltar mais vezes.
Como seu eu conseguisse ficar longe.


Harry Potter e As Relíquias da Morte: Parte 2 (Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 2. David Yates, UK/US, 2011), o ultimo filme da saga Harry Potter no cinema, foi uma decepção tão grande, que saí da sessão com o desejo de apaga-lo da filmografia do HP... Exagerado assim, já que a decepção foi grande.

Sim, eu sei que o livro geralmente é melhor que o filme e tal e tal como todos dizem. Mas me inconforma que, hoje, com narrativas incríveis em todas as instâncias – literária, musical, cinematográfica, virtual... – nós ainda encontremos adaptações tão distantes do livro que trazem para as telas. Adaptações fracas, bobas, frias, sem alma.

A força e intensidade do livro se perdem em cenas e roteiros banais.

Esse último filme de HP foi assim para mim. A emoção durante o livro foi tão forte que reli o final na estação umas vinte vezes assim que acabei de ler o livro.

Esperava, no filme, sentir a força da conclusão de uma história que me acompanhou durante tantos anos e povoou meu imaginário e meu cotidiano. O lançamento dos livros e filmes eram acontecimentos felizes e cheios de expectativas.

A parte 1 de As Relíquias da Morte foi bastante impactante para mim. Saí do cinema e fiquei com o filme por dias. Sentimentos fortes, e uma expectativa maior ainda com a segunda parte.

Ugh, aqui caberia uma discussão sobre as expectativas...rs.

Mas não é o lugar.

O foco aqui é o desejo de continuar a encontrar Harry, a lembrar das suas histórias e do que elas trouxeram para mim, assim como imaginar o que está sendo a sua vida – casadinho com a Ginny, pai de três filhos, amigo ainda de Ronny e Hermione e, principalmente, dono dos seus dias e da sua vida.

 

PS: Ao procurar os nomes em inglês do que está relacionado a HP, e que aparecem aqui juntamente com a tradução em português – o mundo de Harry Potter se construiu com os dois -, encontrei uma wiki só do HP!!! Que viagem boa. Aqui vai o endereço: http://harrypotter.wikia.com/wiki/Main_Page.

 


quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Cursed by Madness - I love You, Mr. Kinsky.





Algumas viagens que realizamos criam, em nós, narrativas que nunca imaginaríamos. São impressões, devaneios, viagens internas que vivenciamos enquanto flanairs numa terra estrangeira.
Outra viagem são as pessoas que encontramos, amigos que se tornam muito queridos e uma constante na nossa vida - mesmo com a distância geográfica que não nos separa. O primeiro encontro é especial. O reencontro, um presente.
Em Londres por esses dias, alguns reencontros inesperados aconteceram. Uns foram felizes, outros, inusitados.  O que trago aqui abalou meu coração.


Não que eu esperava que isso acontecesse. Se pensasse na hipótese de encontrar Shandurai novamente, apenas ternura e uma grande admiração chegavam até mim. Mas nem sempre as ideias correspondem ao que sentimos num determinado momento... E assim que foi crushing a conversa que tive com Shandurai numa rua de Londres, sentadas no café de um cinema da cidade.
Eu estava ali em outro reencontro, este muito feliz. Clarice é uma amiga querida que revi em Londres. Foi inesperado também, mas um muito feliz. Alegre, férias de verdade.
Extraordinariamente sem nada específico para fazer numa semana repleta de compromissos, nós duas acabamos por chegar a um cinema minúsculo, um dos últimos em Londres, meio vagando pelo espaço, olhando os cartazes dos filmes. Um lugar pequeno, muito especial. Confortáveis ali, como se no sofá de casa zapeando pelos canais da TV, movimentámos pelas narrativas expostas na parede, em molduras de vidro: olhávamos os cartazes e comentávamos que filmes havíamos visto, de qual deles gostamos mais, quais foram os que nos causaram imensa repulsa.
E assim, sem esperar, eu a vi, sentada a uma mesa, um café na mão, o olhar no vazio. Não resisti e me aproximei.


Shandurai não estranhou a minha aproximação. Já havíamos nos encontrado antes, em diferentes épocas da minha vida. Em todos esses encontros, a conversa foi doce. Desta vez, no entanto, o reencontro foi mais intenso.
E não sei por quê. Não questiono muito também. Mas uma imagem nova surgiu para mim numa paisagem que considerava tão conhecida Essa nova perspectiva me incomodou, assim como abalou algumas certezas.


Explico. Nas vezes que encontrei Shnadurai, nesses doze anos de convivência, sua trajetória de imigrante na Itália, em exílio da África, me comovia. A escolha que teve de fazer, entre seu marido e um novo amor, surgido na música, na admiração e, claaaaaaaaaaro, na confusão de sentimentos que vivia à época me diziam como esta vida realmente nos surpreende. Como não conseguimos explicar tudo – os sentimentos, as decisões, os acontecimentos. Nem sempre – ou melhor, quase nunca – a paixão vem como num filme de Meg Ryan. Ia ser bom. Feliz, alegre, divertido. Mas não intenso. E intensidade é o que não falta na história de Shandurai.
Esse reencontro é uma prova forte disso. E explicar é overated, afinal de contas. Assim como a realidade... mas aí já estou chegando a outros reencontros.
Este relato é para Shandurai e sua escolha impossível.


Eu nunca tive um vislumbre tão claro de qual havia sido a decisão de Shandurai quanto nesse encontro em Londres. Não sei se a perspectiva de outra pessoa me apresentou um novo olhar – Clarice se impressionou muito com a história da mulher que se apaixona meio a contragosto pelo seu patrão na Itália, enquanto espera que seu marido seja libertado da prisão. Entre o amor forte, leal e lutador de uma vida compartilhada e o amor encantado e persistente pelo artista desengonçado, o coração e o corpo de Shandurai se dividiram.
Não havia visto, antes desse reencontro, a fúria de Shandurai ao ser confrontada com a escolha imediata entre dois homens. Entre dois amores – olha ai outro filme... Escolha imediata, forçada e incrivelmente impossível, a meu ver. Mas sua raiva estava presente ali, sentadas juntas no conforto do minúsculo cinema no centro da cidade.


Sua frustração e ressentimento pelo coração dividido – e estraçalhado na divisão - se mostravam ali. O amor, longe de ser uma nova possibilidade, uma ruptura forte com um modo de vida estagnado, apresentou-se para Shandurai como uma facada no coração, uma ferida que não se cura e se expande para os que estão ao seu redor.
O sorriso feliz e doce de Mr. Kinsky diluiu-se na fúria. A esperança por uma vida livre da perseguição política ficou esquecida diante de novos confrontos. A nova vida de Shandurai, desafiante e cheia de possibilidades, transformou-se na angústia da impossibilidade da escolha.
E ali estava ela, não mais uma estudante de medicina tímida, com uma bagagem dolorida no seu passado, mas também com novas conquistas à vista. Ao final da sua residência num hospital de Londres, com olheiras nos olhos e um peso na sua fala, a impossibilidade da sua escolha mostrou-se para mim, pela primeira vez, de forma amarga, dura e furiosa. Um choque inesperado.
Despedi-me mais uma vez de Shandurai – até o próximo encontro, eu disse, tentando mostrar-me leve. Não enganei ninguém, principalmente Clarice, que saiu desse encontro mais abalada que eu.
Apesar da intensidade e fúria desse encontro, ainda mantenho, comigo, a doçura do seu apaixonar-se gradual, inesperado e doce, musicado e angustiante, insano e embriagado. Esse é um dos encantos que me aproximam da história de Shandurai. Uma história que, como pude ver por esse reencontro, ainda não se encerrou para mim.


 Touched by Genius. Cursed By Madness. Blinded by Love.
Assédio (Besieged. Bernardo Bertolucci, o famoso Bertô, Itália/UK, 1998 - a frase acima refere-se à tagline presente no perfil do filme em http://www.imdb.com/title/tt0149723/). Eu amo Bertolucci. Mesmo que veja muito exagero em alguns de seus filmes - e o exagero não faz parte da intensidade??? -, ele, para mim, é o cineasta que filma o amor e o sexo de forma mais honesta e próxima do que sinto.  Quando vi Assédio pela primeira vez, não acreditava na doçura de sua narrativa, numa pessoa tão inacreditavelmente deslocada como Jason Kinsky, o pianista por quem gostaria de me apaixonar. O amor que chega contra a nossa vontade e as nossas possibilidades... uma cachorrada e um presente do universo.
Tudo o que esse filme me traz não cabe nesta história, neste parágrafo ou numa explicação. Viajo por tudo que ele me traz, embalada pela trilha sonora inacreditavelmente bela e intensa. Amo o amor em Assédio, mas desta vez ele me assustou. Não havia ainda percebido a raiva de Shandurai ao afastar o braço de Mr. Kinsky de si, ao levantar da cama ao final do filme.  Essa cena foi incluída depois ou para mim, até este momento, somente o encanto de um amor tão doce ficara na minha retina?
Revi o filme no conforto do sofá da minha sala, na companhia feliz de uma amiga que não via há anos, Luciana. Chegamos ao filme por acaso – o nosso destino inicial era Manderlay (Lars von Trier, Dinamarca/Suécia/Países Baixos/França/Alemanha/UK/Itália, 2005). Mas quando vi Assédio na programação da TV a cabo, não resisti e o sugeri para a Lu. O filme ficou conosco por dias, e Bertô foi uma presença constante nas nossas conversas.
Hoje comprei o livro We Need to Talk About Kevin, de Lionel Shriver, que está para chegar aos cinemas. Da mesma autora li The Post-Birthday World, de que gostei demais – ele se encontra em http://asviagensdeamelie.blogspot.com/2011/09/entre-agosto-e-setembro-alguns-livros-e.html, o blog irmão de Os Degraus. Na introdução ao livro, uma observação que me disse muito do que sinto com Assédio: como uma história pode ir além do seu contexto, pode ser maior que o que está contido nas páginas do livro – nas imagens do filme, na trama dos personagens... Como ela não se limita ao que conta, mas se expande ao mundo com tudo o que traz em si.
Assim é Assédio para mim... e cada vez que o revejo, percebo algo mais que me leva pra além do que havia visto antes. 



domingo, 11 de setembro de 2011

A realidade que superou a ficção - lembranças...




Olá! Esta é uma reedição de uma história que o Degraus trouxe em março deste ano. Nos dez anos do ataque às Torres Gêmeas, em NY, em 11 de setembro, eu a trago aqui novamente (enquanto esta blogueira na preguiça não escreve uma história nova...). Coincidência - se esta existe - ou não, hoje, por volta de uma 1 hora da manhã, descobria que o livro que estou lendo no momento - The Post-Birthday World, de Lionel Shriver -, sobre duas possibilidades de existência da personagem a partir de uma escolha específica, chegava até o 11 de setembro de 2001.

Histórias - filmes, livros, músicas, relatos - sobre o 9/11 são muitos. Chegam a nós de diferentes formas e nos tocam também de distintas maneiras. Mas, sobretudo, contam para mim sobre uma realidade que poderia parecer distante, mesmo que absurdamente trágica, se não fossem pelas narrativas que elas nos trazem. As notícias não dão conta do que a ficção, nesse caso, consegue trazer para tão próximo de mim. 

Sobre essa proximidade, e a surpresa de encontrá-la ainda, é a história que se segue.
SPOILER ALERT + SPOILER ALERT + SPOILER ALERT + SPOILER ALERT

Recomenda-se a leitura desta história para as pessoas que viram o filme Lembranças, de Allen Couter, 2010. Há referências, aqui, a um dos personagem, assim como sobre o final do filme. Este, ao meu ver,  deve ser visto sem nenhuma idéia prévia do que se trata. Por isso todo esse estardalhado do spoiler alert, rs.
Mas essa é apenas uma sugestão, porque a escolha é sempre sua!!!



Daniel, que sempre amara os filmes,  ainda tinha a capacidade de se impressionar quando sua vida se parecia com um. Não em enredo, o que era muito difícil numa existência de 21 anos sem muitos acontecimentos drásticos, dramáticos, engraçados. Uma vida, enfim, sem acontecimentos que ele pensava serem dignos de uma narrativa cinematográfica. A semelhança não eram as tramas, mas as imagens.
Este momento mesmo. Ele encontrava-se no sofá, enrolado em si mesmo, no que seria outra tarde preguiçosa de domingo. Largou o livro que lia sobre o colo, esticou as pernas, que estavam cruzadas numa posição que sempre considerara meio desajeitada ao olhar do outro, mas que se adaptava perfeitamente ao conforto de que necessitava seriamente ao ler. Olhou para o lado em direção à luz que entrava pela janela.

Lá estava Caroline. A luz do final da tarde a envolvia para, então, cruzar a sala do apartamento. Ele sabia que se a chamasse agora, ela não ouviria. Às vezes, como neste momento, ela se perdia, no nada. Para estar ao seu lado, era preciso entender. E Daniel o fazia sem esforço e sem necessidade de explicação. Não era racional, ele não sabia por que compreendia. Mesmo assim, sabia que essa ausência era parte dela, um todo que ele amava também sem necessidade de elaboração.
Mas a explicação de certa forma viera, um ano atrás. Ele acordara sozinho na cama, no apartamento de Caroline. Sonolento, notara a sua ausência e voltara a dormir. Havia acordado novamente mais tarde, andado meio perdido pelo apartamento. Tomou banho, arrumou a cama e se recostou nos travesseiros para esperá-la. Lendo. Ele lembrava que não havia ficado ansioso, nervoso ou preocupado. Difícil ter qualquer um desses sentimentos na casa de Caroline ou em sua presença. Ambos eram claros, belos, serenos e intensos. Ali ele ficou. Leu, dormiu mais e acordou com ela sentada ao seu lado.
Pernas cruzadas, vestido preto, cabelo solto, sua figura era serena. Ela estava de luto, mas Daniel não fez a associação de imediato. Com tranqüilidade, a mão nos cabelos de Daniel, ela contou a história das manhãs de 11 de setembro, vividas em homenagem ao irmão desde o primeiro “aniversário” do atentado.

Daniel ouviu a história, e outras imagens vieram pela narrativa de Caroline. Reconhecimentos que encontrou no cinema. Em 2001, com 12 anos, as imagens do atentado às Torres em Nova York e a reação das pessoas se misturavam em sua imaginação. Ao ver os aviões se chocando com as torres na televisão, tudo lhe pareceu estranho, alienígena, distante. Ele estava ali, e todo o alvoroço lhe pareceu desproporcional.
A proporção da tragédia, para ele, chegou pelas histórias no cinema. Narrativas ficcionais ou baseadas nos contos de sobreviventes e familiares,  elas eram igualmente ficção para ele. Histórias contadas por diferentes narradores, diferentes imagens, elas não eram mais palpáveis para ele se contadas por uma pessoa. Elas o conseguiam atingir muito profundamente quando em uma música, um livro ou imagens do cinema. Bom, de qualquer maneira, todas elas  traziam para ele uma parte do lugar que era, agora, não mais um país estrangeiro, mas a sua casa. A cidade da qual fazia parte. Na qual andava, estudava, vivia. Na cidade onde se apaixonara.
A história de Caroline não era muito diferente das que ouvira antes. Nela ele ouviu a perda, a tragédia, o inesperado, o luto, o entendimento, a superação, a saudade, a homenagem, o amor. A forma como Caroline a contou, no entanto, mudou tudo. Quando achou que nada mais lhe surpreenderia sobre o já tão desgastado atentado às torres gêmeas, Caroline e os outros personagens da sua história o comoveram de uma forma surpreendente e triste. Assim foi não pela proximidade de Caroline com o que ocorreu, mas pela sua forma de contar a história. Nela, as relações mais profundas e as mais banais fizeram parte da tecida delicadeza com que contou sua história. E a ela conferiram uma intensidade que escapava ao sensacionalismo, ao oportunismo político  e à exploração da dor que ele presenciara até então.
Na história de Caroline, todos os personagens a compunham de forma delicada, intensa, importante.  O fim, o atentado em 11 de setembro, conferia ao conto a finalização, dava seu impacto. Mas não reduzia o que acontecera antes, ou que estava para chegar. As relações entre os personagens da sua história, permeadas por tragédias menores e a maior delas, não se reduziam, no entanto, à perda.
Tudo isso Daniel pode entender neste domingo, quando acompanhou Caroline, sua mãe e padrasto, seu pai, Ally e Aidan, na visita ao túmulo de Tyler, irmão de Caroline, morto no ataque às torres gêmeas. Mais um 11 de setembro, dez anos depois do primeiro. Uma data que tomou outros significados, não só pelos eventos que a marcaram nos Estados Unidos em 2001. Mas também por todas as historias que transformaram o fato e as pessoas que dele participaram em personagens de uma grande narrativa. Narrativa da qual, nessa tarde de domingo, ele era personagem também.




Remember Me (Lembranças). De Allen Coulter, EUA, 113 min, 2010. Assistido três vezes no cinema, duas seguidas, em março de 2010, no Embracine, Casa Park, outra com a Pat querida, no Cinemark, na sessão mais trash de que tive noticia nos últimos tempos...